quinta-feira, 28 de outubro de 2010

SAÚDE EM MIPIBU - É PRECISO A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA SE TER ACESSO

Foto: Francineide Moura

Recebi este e-mail de Francineide Moura, pedindo para que eu lesse e publicasse no blog.

Estou fazendo exatamente como ela me pediu.

Fiz a leitura, e, confesso sem um único pingo de vergonha, fiquei com os olhos marejados de lágrimas à medida que ia avançando nas palavras por ela escritas descrevendo os fatos.

É uma história comovente e, ao mesmo tempo absurda.

Onde já se viu uma cidadã ter que recorrer à Promotoria Pública para ter acesso à saúde, um dos serviços básicos de responsabilidade do estado?

Conheço “Dida” e sua mãe desde criança, quando jogava futebol de mesa nos campeonatos promovidos pelo seu falecido pai, Moacir, um exímio artesão no fabrico de “jogadores de botão”.

Para ser sincero não tinha conhecimento do estado de saúde de sua mãe, mas, pelo que pude observar a situação é deveras difícil, e, diante dos fatos, pelo exemplo de determinação, força, carinho, fé e muito amor pela sua mãe, o assunto merece o apoio de cada um dos mipibuenses.

Concluindo seu pedido, respeitosamente publico agora o texto, pedindo aos caros leitores que leiam com bastante atenção e carinho e, no final, reflitam sobre essa realidade triste vivida pelos mipibuenses que necessitam de apoio dos órgãos da saúde municipal.



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A FORÇA DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA



Há cerca de 7 anos cuido de minha mãe, atualmente com 70 anos, diabética, hipertensa, depressiva, com um pé amputado e o outro debridado há cinco anos, porém sensível igual ao pé de um recém nascido.

No mês de agosto em virtude da depressão tentou o suicídio e esteve em coma durante cerca de 20 dias, em virtude da imobilidade surgiu na região sacra uma escara, tudo isso contribui para a sua total dependência.

No final do mês de setembro foi encaminhada pelo médico do PSF para um debridamento (pequena cirurgia) da escara, fomos duas vezes à APAMI e uma ao Hospital Regional Monsenhor Antônio Barros, mas sem sucesso.

Vi minha mãe apodrecer a olhos nus.

Com profundo sentimento de impotência e movida pelo desejo de justiça, marca registrada em mim de forma indelével desde a mais tenra idade, liguei para Drª Heliana (Promotora de Justiça), cuja conduta se pauta pelo senso de fazer justiça aos injustiçados do sofrido povo de São José de Mipibu. Procurei-a no dia 22 de outubro, cheguei chorando e ela garantiu que agiria em favor de minha mãe. No início da tarde deste dia (sexta-feira) deixei a promotoria, certa e confiante de que a solução chegaria com urgência.

Ao chegar em casa, nesse mesmo dia vi minha mãe chorando de dor, pedindo que eu não a deixasse morrer “podre”, pois o mau cheiro estava insuportável (mesmo com dois curativos ao dia), movida pelo desejo de livrá-la desse sofrimento pensei em desistir da minha vida e da dela, mas Deus em sua infinita misericórdia não permitiu tal fraqueza de minha parte.

Consegui forças e peguei uma lâmina de bisturi e, mesmo sendo leiga na área médica retirei toda a carne morta, antes de fazer isso pedi a Deus e a Nossa Senhora das Graças que agisse em mim, retirei a parte pobre com muito cuidado, usando luvas e sem máscara, ninguém conseguiu ficar ao meu lado durante o tempo em que limpava o ferimento, o cheiro forte de carne podre incensou a casa.

Com cuidado e com os olhos rasos d’água eu dizia: “Mãe, vai dar certo!” e ela respondia: “Confio em Deus minha filha. Durante o procedimento fiz tudo o que tinha que ser feito, terminei tudo suada, cansada e chorando, conclui o curativo e em seguida mostrei para minha outra irmã (tia) as carnes mortas e ela disse: “você é muito corajosa!”. Respondi: “Mãe vai ficar boa!”.

No dia seguinte pela manhã e surpresa nossa a escara não apresentava mais o mau cheiro. Não aconselho ninguém a agir como eu, mas naquele dia eu não poderia ser omissa! Fiz o que qualquer médico poderia ter feito e sem anestesia. Por que não atenderam minha mãe, pessoa idosa, totalmente dependente.

Aqui saliento a ausência de gases nos PSFs do município e a demora em marcar consultas com médicos especialistas, a falta de medicamentos. Isso é vergonhoso e mostra o descaso na saúde de Mipibu.

No dia 27 de outubro recebi uma ligação da Secretaria de Saúde, pedindo que eu comparecesse dia 28 às onze horas que o caso de minha mãe seria resolvido e que os medicamentos seriam entregues a mim.

Lamento profundamente ter tido que procurar Drª Heliana, pois é vergonhoso para o município tudo isso. Falei com a prefeita, mandei mensagens e nada! Hoje vejo que as pessoas valem em quanto podem oferecer alguma, mãe hoje inválida, para os políticos não tem valor!

Deixo aqui registrado tal fato, e não aconselho ninguém a agir como eu fiz (limpar um ferimento com a gravidade do dela) usando uma lâmina de bisturi.
Mas meu ato foi um ato de AMOR àquela que me pôs no mundo.

Agradeço a Drª Heliana, que faz jus ao cargo que ocupa.


São José de Mipibu, 28 de outubro de 2010.

Francineide Moura

2 comentários:

  1. Meu Deus, que horror !!!
    Quem diria que a minha São José chegasse a essa situação e que meus conterrâneos vivessem momentos tão terríveis e tristes.
    E pensar que são os mesmos, os donos desse "latifúndio"...
    São José de Mipibu, quantos sonhos em vão...
    A minha solidariedade aos que sofrem.
    Edilson (Didi Avelino)

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  2. Prezado Amauri,

    Como leitor assíduo deste blog, também não poderia deixar primeiro de me emocionar com o relato desta filha, segundo me ENVERGONHAR mais uma vez pela falta de ATITUDE de nossas autoridades e o modelo de gestão que São José vem seguindo. Como podemos dormir e acordar vendo o desleixo com toda a situação desta cidade. São sempre os mesmos problemas e o pior, sem soluções. Mais uma vez digo as palavras mágicas utilizadas no mundo dos negócios: PLANEJAMENTO E ESTRÁTEGIA. Não podemos mais ouvir "O PROBLEMA VEM DE MUITO TEMPO" sim, e não será feito nada para reverter à situação? Isto é administrar?
    É duro o relato de uma filha MENDIGANDO atendimento médico para sua mãe. Será que a cortina da IGNORÂNCIA é tão pesada, que ninguém consiga ver que esta família é apenas um pedaço do ICEBERG? Quantas famílias em São José passam todos os dias por esta situação?
    Acordem.
    Renniê Alexandre

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