Paulo Souza, aluno da primeira turma do método Paulo Freire,
se emociona ao lembrar das aulas
(Foto: Fernanda Zauli/G1)
Paulo Alves de Souza, 70 anos, Maria Eneide de Araujo Melo,
56, e Idália Marrocos da Silva, 83. Três personagens de uma história que teve
como cenário a pequena cidade de Angicos, localizada na região central do Rio
Ggrande do Norte a 170 km
de Natal, e que completa 50 anos neste mês de abril. Os três fizeram parte da
experiência de alfabetização de adultos, conhecida como as 40 Horas de Angicos,
na qual foram alfabetizados cerca de 300 angicanos, em 1963, sob a supervisão
do educador Paulo Freire.
A experiência, inédita no Brasil, tinha uma meta ousada:
alfabetizar adultos em 40 horas. Mas não era só isso. De acordo com o professor
doutor Éder Jofre, Paulo Freire pretendia despertar o ser político que deve ser
sujeito de direito. "A palavra 'tijolo' fez parte do universo vocabular
trabalhado em Angicos. Era uma palavra que fazia parte do cotidiano dessas
pessoas. Mas não era só ensinar a escrever tijolo, tinha também a questão
social e política. Era questionado: você trabalha na construção de casas, mas
você tem uma casa própria? Por que não tem? Levava o cidadão a pensar nessas
questões", explica Éder Jofre, que é doutor no método Paulo Freire
Paulo Souza lembra que naquela época, quando tinha 20 anos,
já não tinha esperanças de aprender a ler, até que chegou na cidade a notícia
do curso de alfabetização de adultos. "Eu não pensei duas vezes. Fui na
hora." Ele conta que trabalhava o dia todo e seguia para as aulas que
aconteciam em uma casa no centro da cidade. "Naquela época aqui era só
mato. Depois do trabalho a gente seguia para a aula com o caderninho debaixo do
braço. Aquilo mudou a minha vida, porque quando a gente não sabe ler a gente
não participa de nada, a gente não é ninguém", diz, emocionado.
Maria Eneide também participou das aulas de alfabetização.
Com 6 anos de idade, ela não era o público alvo do curso, mas acompanhava os
pais porque não tinha com quem ficar em casa. "Meu pai e minha mãe estavam
no curso, então eu ia com eles. Eu aprendi a ler no colo do meu pai e quando
ele não podia ir eu acompanhava minha mãe e depois ensinava meu pai",
lembra. A experiência foi determinante na vida de Eneide. "A partir dali
eu tive certeza de que seria professora e hoje dou aula para alunos da educação
infantil", diz.
Idália diz que lembra das aulas 'como se fosse hoje'
(Foto:
Fernanda Zauli/G1)
Aos 83 anos de idade, Idália Marrocos da Silva diz que se
lembra 'como se fosse hoje' das aulas. "Nós íamos para uma casa e tínhamos
aula na sala. Naquela época essas aulas aconteciam em todo lugar: na igreja, na
delegacia, nas casas das pessoas. Muita gente aprendeu a ler com essas
aulas", lembra. De sorriso fácil e boa memória. Dona Idália lembra que
muita gente tinha medo de ir às aulas porque na época diziam que Paulo Freire
era comunista e que os alunos do curso seriam perseguidos. "Muita gente
tinha medo. Minha mãe não queria que eu fosse, mas essas aulas mobilizaram a
cidade inteira. Foi quase uma revolução e eu queria fazer parte", conta, na
cadeira de balanço, em uma casa simples onde mora sozinha.
ENTENDA O MÉTODO PAULO FREIRE
Paulo Freire desenvolveu um método de alfabetização baseado
nas experiências de vida das pessoas. Em vez de buscar a alfabetização por meio
de cartilhas e ensinar, por exemplo, “o boi baba” e “vovó viu a uva”, ele
trabalhava as chamadas “palavras geradoras” a partir da realidade do cidadão.
Por exemplo, um trabalhador de fábrica podia aprender “tijolo”, “cimento”, um
agricultor aprenderia “cana”, “enxada”, “terra”, “colheita” etc. A partir da
decodificação fonética dessas palavras, ia se construindo novas palavras e
ampliando o repertório.
O método Paulo Freire estimula a alfabetização dos adultos
mediante a discussão de suas experiências de vida entre si, através de palavras
presentes na realidade dos alunos, que são decodificadas para a aquisição da
palavra escrita e da compreensão do mundo.
“A concepção freiriana procura explicitar que não há
conhecimento pronto e acabado. Ele está sempre em construção”, explica Sonia
Couto Souza Feitosa, coordenadora do Centro de Referência Paulo Freire (CRPF),
entidade mantida pelo Instituto Paulo Freire. “Aprendemos ao longo da
vida e a partir das experiências anteriores, o que faz cair por terra a tese de
que alguém está totalmente pronto para ensinar e alguém está “totalmente”
pronto para receber esse conhecimento, como uma transferência bancária. Esse
caráter político, libertador, conscientizador é o diferencial da metodologia de
Paulo Freire dos demais métodos de alfabetização.”
O método Paulo Freire foi desenvolvido no início dos anos
1960 no Nordeste, onde havia um grande número de trabalhadores rurais
analfabetos e sem acesso à escola, formando um grande contingente de excluídos
da participação social. Com o golpe militar de 1964, Paulo Freire foi preso e
exilado, e seu trabalho interrompido.
“Já naquela época Paulo Freire defendia um conceito de
alfabetização para além da decodificação dos códigos linguísticos, ou seja, não
basta apenas saber ler e escrever, mas fazer uso social e político desse
conhecimento na vida cotidiana”, explica Sonia, que é licenciada em Letras e
Pedagogia, com mestrado e doutorado pela Faculdade de Educação da USP.
Desde seus primeiros escritos, Paulo Freire considerou a
escola muito mais do que as quatro paredes da sala de aula. Apesar de aplicado
entre jovens e adultos, o método também pode ajudar na alfabetização e
letramento de crianças.
O método Paulo Freire é dividido em três etapas. Na etapa de
Investigação, aluno e professor buscam, no universo vocabular do aluno e da
sociedade onde ele vive, as palavras e temas centrais de sua biografia. Na
segunda etapa, a de tematização, eles codificam e decodificam esses temas,
buscando o seu significado social, tomando assim consciência do mundo vivido. E
no final, a etapa de problematização, aluno e professor buscam superar uma
primeira visão mágica por uma visão crítica do mundo, partindo para a
transformação do contexto vivido.
Nascido no Recife, Freire ganhou 41 títulos de doutor
honoris causa de universidades como Harvard, Cambridge e Oxford. Ele morreu em
maio de 1997, e no ano passado foi declarado patrono da educação brasileira. “O
legado que ele nos deixa, entre tantas contribuições, é de esperança”, destaca
a coordenadora. “Um legado de entender a educação como espaço de transformação
social, que nos ajuda não só a ler a história, mas sermos também escritores da
história.”
Fonte: Portal G1
Colaborou Vanessa Fajardo, do G1, em São Paulo